Jacques-Louis David: O Primeiro-Cônsul Napoleão cruzando dos Alpes no passo de Grand-Saint-Bernard, 1800
General atento a cada detalhe da batalha, soldado que discursava perante suas tropas e estadista preocupado com o Governo de sua região, Napoleão Bonaparte aparece refletido em suas cartas inéditas que, pela primeira vez, serão expostas a partir de hoje em Paris. São 1.500 manuscritos que até agora estavam escondidos nos arquivos de um colecionador de Boston e que ficarão expostos até 1º de março no Palácio dos Inválidos, bem próximo ao mausoléu onde estão os restos do imperador.
Napoleão passava mais tempo com a sua caneta do que usando a espada. Se sua obra militar marcou o início da era contemporânea, os testemunhos escritos por ele refletem uma personalidade contraditória e excepcional. “Através destas cartas, é possível observar vê tanto o estadista quanto o ser humano. Além de sua personalidade de conquistador, havia um homem sensível, atormentado pela morte de seu filho, o Rei de Roma”, afirmou à Agência Efe Gérard Lhéritier, proprietário da coleção.
Além de um “evidente estilo literário”, Napoleão dava a suas cartas um toque pessoal, principalmente quando suas cartas eram destinadas a mulheres, a quem “sabia falar e conquistar como conquistava territórios”, segundo o colecionador. As cartas também mostram “o pai, o apaixonado, o financeiro, o homem de Estado”, segundo Lhéritier, que lembrou que Chateaubriand costumava dizer que Napoleão era “um poeta em ação”.
Entretanto, nem todos os originais são cartas privadas. Alguns são documentos destinados à leitura pública. “A opressão e a humilhação do povo francês estão fora de seu alcance. Se entram na França, encontrarão seu túmulo”, disse Napoleão em discurso a suas tropas às vésperas da batalha de Waterloo, segundo um manuscrito feito pelo próprio imperador.
“Para todo francês com coração, chegou o momento de vencer ou morrer”, escreveu quatro dias antes de sua derrota mais sangrenta e definitiva. Em outros documentos, Napoleão aparece como um estrategista que se ocupa dos aspectos mais insignificantes de suas campanhas, prestando uma atenção particular à administração de sua tropa.
No entanto, o general vitorioso, no auge de sua glória, também mostra seu lado mais humano – a solidão do poder. Quando estava em Milão, após derrotar as tropas inimigas, escreveu à sua esposa Josefina: “Daria 20 anos da minha vida para ter você perto de mim”. Carregada de ternura, a carta se refere ao filho que acredita que Josefina estava esperando, uma invenção da esposa do imperador para não acompanhá-lo nas batalhas da Itália. “Adeus, minha adorável doce amiga. Viver para não estar a seu lado, esse é o destino da minha vida”, disse Napoleão no final da carta.
Não são muitos os documentos desta exposição escritos pelo próprio Napoleão. A maior parte é formada por cartas ditadas e assinadas. Apenas nove são escritas por ele. “Napoleão escrevia muito pouco, sua letra era ilegível inclusive para ele mesmo. Por isso, se cercava de cerca de 20 secretários, a quem ditava”, disse Lhéritier. Entre os documentos que serão expostos, figuram os comentários que Napoleão fez após a leitura de “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, considerado um dos primeiros livros sobre economia moderna.
“Era um jovem tenente de pouco mais de 20 anos e já possuía uma visão aguda da política e da economia. Por isso, que escreveu até 13 páginas de comentários sobre a obra”, disse o colecionador. Também não faltam as cartas nas quais Napoleão, já recluso em Santa Helena, se negava a receber cuidados médicos dos ingleses com medo de ser envenenado.
Há ainda correspondências trocadas com seus mais fiéis generais e conselheiros, nas quais expõe sua idéia do Estado, suas críticas à República e seus planos para assaltar o poder. O conjunto foi reunido durante mais de 30 anos por um colecionador americano que há alguns meses decidiu colocá-lo à venda, por isso que chegou às mãos de Lhéritier, dono do museu onde as cartas serão expostas em Paris.
Fonte: Agência EFE